O estudo da série de esqueletos do Valle da Gafaria possibilita documentar de forma directa as condições de vida que os primeiros cativos resultantes do movimento dos Descobrimentos experienciaram durante o seu cativeiro, através dos seus vestígios mais directos, isto é, dos seus ossos e dentes.
Em 2009, a construção de um parque de estacionamento no Valle da Gafaria em Lagos (Portugal) permitiu a documentação objectiva da presença dos escravos africanos no dealbar da Modernidade.
A intervenção de Arqueologia preventiva identificou uma vasta lixeira urbana, acumulada entre os sécs. XV e XVI no interior e em torno dum extenso “boqueirão”. Facto inesperado, a escavação revelou a presença de 155 esqueletos humanos, cujas características morfométricas, contexto de inumação e material arqueológico associado permitiram identificá-los como escravos africanos.
O salvamento arqueológico deste importante documento histórico resultou num acervo arqueológico e documental com um enorme potencial para a produção de conhecimento acerca da modernidade em Portugal, da História da expansão e do comércio de escravos que justificou a criação dum programa de I&D no seio da iDryas:Os escravos africanos no contexto dos Descobrimentos.
Os objectivos deste programa de I&DT são: analisar a escravatura no contexto dos Descobrimentos; traçar o retrato físico e sócio-cultural dos escravos, as suas origens culturais e etnias; abordar a Demografia das populações escravas; perceber as condições de vida e os acontecimentos que rodeavam a morte dos escravos; contribuir para o aumento do conhecimento das relações comerciais na modernidade.
No âmbito deste programa de I&DT estão em curso 2 projectos: O “Poço dos Negros” de Lagos: contributo para a compreensão do tratamento funerário dos escravos africanos nos sécs. XV e XVI (co-financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian); e Escravos numa lixeira: saúde oral e modificações dentárias numa amostra africana dos sécs. XV e XVI (Lagos, Portugal).
O projecto O “Poço dos Negros” de Lagos: contributo para a compreensão do tratamento funerário dos escravos africanos nos sécs. XV e XVI visa a exploração da informação obtida durante os trabalhos de escavação, abrangendo as análises arqueoestratigráfica, aqueotanatológica, paleobiológica, genética e radiométrica, e cujos resultados serão integrados no Sistema de Informação Geoarqueológica do sítio, com o objectivo de estudar em detalhe o tratamento funerário reservado aos cativos nos inícios da expansão portuguesa.
O projecto Escravos numa lixeira: saúde oral e modificações dentárias numa amostra africana dos sécs. XV e XVI (Lagos, Portugal) debruça-se sobre o estudo da patologia oral e das modificações dentárias tipicamente africanas que muitos dos indivíduos ostentavam, com o objectivo contribuir para a caracterização d o ambiente em que estes indivíduos viveram, no que respeita específicamente ao tipo de alimentos que ingeriam e ao seu acesso a cuidados básicos de higiene. A relação entre determinadas práticas culturais, como as modificações dentárias, e a prevalência de lesões orais é também investigada.